segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Só um pouco de tristeza, um pouquinho























sou um homem só
sou tanta saudade
sou um passo atrás do outro
um olho e ao seu lado seu irmão
sou duas mãos
e um pouco de dor
feliz infelicidade
sou um homem só
de novo sozinho
doído de ossos
quebrado em vontades
um homem para a paz
entregue a maldade
violento de olhos
inocente de mãos
mas sempre culpado

sexta-feira, 2 de julho de 2010

sábado, 22 de maio de 2010

Um Quarto, Duas Salas



Repousava sobre o sofá corpo curvo e deformado. Aparentemente inanimado, somente o movimento do globo dos olhos. Com quem sonha; tosto e introspectivo, refletindo. Os pensamentos como de cinema, efusivos, confusos e incrédulos. Nenhum prazer embora o corpo estivesse absurdamente endorfinado, nem medo tão pouco desespero. Sem palavra, mudo, custava também manter a visão, as imagens em seqüência, fugidas e incertas, a vista embaçava fatigante. O som era dolorido e o tato ardia.  As paredes, escurecendo, mantinham a massa de ar serena, brutalmente negra.  Aspirava o pouco ar que ainda conseguia, como a inspirar a própria noite, perfume suspenso no ar não deixava o corpo faminto por vida esquecer o que acontecera.
            As gotículas impregnavam os estofados. Estofados, miseráveis e infladas testemunhas. O carpete rejeitava o fluido viscoso putrefato, de olhos nele, a Amada dilatava a pupila que pendia pra baixo puramente por esforço da gravidade. Assim como a córnea despencava, tudo em volta baixava o ânimo em atitude respeitosa.  As paredes cúbicas, silenciadas e imóveis. A mesa de madeira nada refinada agachou-se como se não pudesse acreditar. Estantes, embebidas de melancolia, embutiram-se.   A cama dormiu e as lâmpadas agonizaram na cortante angústia de uma efervescência luminosa.  Os elétricos emudecidos de pavor, não emitiram ruídos enquanto metais, maçanetas e panelas cruelmente gelaram. Mas o relógio, o relógio não ousou se omitir, deu um grito de desespero, despertava. Despertou.
            O chão viu-se teto. A faísca sonora viajava preguiçosamente, emboscada pela imobilidade da atmosfera. Finalmente chegou aos ouvidos da Amada, acordando-a embora não dormisse. Perdida em si mesma nada percebe, nem cheiro de pólvora, nem o sinal da revolta mecânica, o compacto de metal escorreu de sua mão até solo sem ruído.  Apenas percebe a criança metida entre as pernas, esfregando o rosto no jeans índigo. Vai até o quarto, agasalha o menino numa manta vermelha e se debruça sobre ele como a consolá-lo, como se pudesse.  Os seres antes suspensos voltam a seus respectivos pesos. O afundar das costelas do Amado suscitou um suspiro único: “Deus”. A mulher não sentiu, apenas abraçava o filho e como saber se poderia presenciar o momento, o último momento que por mais distante que esteja um dia chega, e depois dele só há a distância, e a do pior tipo, a distância infinita? Irrevogável? Irremediável? Não se sabe.
            Assim, sem resposta, quando não se esperava, solenemente como numa sala de museu, objetos, móveis e elétricos fizeram de conta que não mais podiam olhar a fotográfica descrição de um lar e cemitério. Duas salas, um quarto, acessórios e três cadáveres, um chorava e outro começava a ouvir as paredes.­

sexta-feira, 26 de março de 2010



Amizade fala como palavra
Partir-se; dobrar-se
Ser parte em alguém
Ter amigos é ter parte em alguém
Fazer amigos, fazer-se em alguém
Prender-se a chance de ser em outro
O que de outra forma
Nunca poderia ser
Desprezar o sou
Amar o ser
É o plural de não caber em si

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

entre os dedos



Pobres das flores

Incautas e belas

Que me caem nas mãos

Nessas mãos desastrosas

Que a beleza devora

E esfrega entre os dedos

Esfaceladas entre a boca e o nariz



Pobre das mãos que não

sabem ser delicadas

Que a tudo esfarelam

E cheias de marcas

rosáceas choram as mágoas

De um espinho



Pobre pobre das flores

Que essas mãos devoram

Pobre, mãos tão pobres

Que nunca se perdoam

Pobres que a tudo matam

e que nunca morrem



segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Da dúvida



Tenho muitas dúvidas e grande parte delas são destinadas a Deus e ao que ele deixou em suas memórias. Mas quando reflito mais um pouco acabo reconhecendo que ainda mais dúvidas eu endereço aos irmãos que desde muito antes de mim tiveram suas dúvidas e deixaram um legado de doutrinas e pensamentos. Não estou sendo ingrato, não é por rebeldia que duvido, sei muito bem quão importantes eles foram, não os desconsidero, tenho respeito, mas também tenho o direito de duvidar e pelo menos, tentar entender; trazer para dentro de mim, ou seja, compreender, as explicações que deram.

E tantas outras incertezas devo aos que ainda me rodeiam, àqueles que me resigno a escutar. Sim, sou um todo de dúvidas. Fechava os olhos e toda a vez que me dava conta era torturante conviver com essa idéia. Agora posso começar a ter um outro olhar, e a despeito de tanta inquietação dentro de mim que remói tudo que ouço, tudo que leio e teima que agora e já preciso de saber no que acreditar, em pormenores; um medo terrível já se dissipa, o medo da dúvida esvaece. Entre o desconforto e o incômodo de estar errado e a altivez e conforto de estar certo; é entre, nesse vale desabitado que chama à solidão a vida ganha densidade enquanto sob os ombros o peso se alivia.

Deste diálogo incessante presente em todo lugar da minha existência e talvez inexistência, tenho a impressão de que é impossível estar sozinho, a solidão de que acabei de falar é do tipo comunitário, interessantíssima. Uma solidão-comunidade, por que se estou só, será comigo e comigo mesmo, se acompanhado nessa solidão, comigo, comigo mesmo e com Deus. No meu caso, Deus é o que menos fala, eu sou o que mais ouço e eu mesmo o mais tagarela.

Infinitamente estranho é que todo esse universo às vezes inexiste e em tantas ocasiões é mais real do que o mundo para além das janelas dos meus olhos. Deus só é visível no mundo invisível existente dentro de mim, eu sou um universo e a fronteira não poderia ser mais frágil é a carne e sangue que engole minha alma.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009



Encantador de dores
Encanta o pranto meu
Encantador de amores
Encanta, encanta

A fração que morre e morria
A morte preferida, encanta
Tão docilmente o sorriso vazio
Meu marasmo, meu caminho

Encanta lá, a superfície rasa
Melodiosamente, encanta;
Encanta a respiração fria
E dá movimento ao rio que corria, e se ainda corre
Dar-lhe-ia o nome aspirado e festivo
De alegre e encontrado

Encanta encantador
O som parado, corriqueiro
A aridez pela qual permeio
A vida encantadora

terça-feira, 27 de outubro de 2009




abre os braços para os anos
o abraço pra acolher
pelo ouvido
a voz da compaixão
ressentindo nesse ouvido
os contos de fadas
e a vida contada
fabulosamente
de tempos e tempos atrás

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Garganta



Cantando e dando passos aos pés

Até me esvaziar por dentro

Lançar boca a fora

Uns tristes lamentos

Com rima e sem sentido

Tendo nas palavras, a cara,

A boca, os pés,

O branco dos olhos

Devagar deixando esgotar

Do buraco da garganta,

Nós, daqueles que sempre vivi

Desafinar para vida

Sem medo da face dela

Mesmo que a dela seja a minha

Minha derrota e minha imagem

A dor que é minha idade

Fecho os olhos,

Projeto a voz e,

Vivo